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Brasília

Bullying: agressões e superação marcam a trajetória das vítimas

Arquivo Geral

05/04/2019 8h27

Agência Brasil

Maria Júlia Spada
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“Baleia” e “gorda” eram palavras que a estudante Ana Vitória Queiroz, 22 anos, escutava diariamente no colégio quando tinha apenas 8 anos de idade. Na época, a jovem morava no Maranhão e as agressões verbais partiam de duas meninas da mesma sala. “Eu não entendia o que era bullying e não entendia porque aquilo estava acontecendo”. Ana conta que sempre foi uma criança tímida e tinha poucos amigos, por isso enfrentou tudo sozinha. “ Elas riam de mim, cochichavam quando eu passava, era uma situação muito constrangedora, mas não contei para ninguém”, relembra.

Assim como Ana, 69,7% dos estudantes brasileiros já viveram situação de violência dentro da escola de acordo com estudos recentes da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), com apoio do Ministério da Educação (MEC).

Por essa razão, desde 2016, o MEC instituiu através da lei nº 13.277 a data de 7 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência nas Escolas. A escolha da data está relacionada à tragédia que ocorreu em 2011, quando um jovem de 24 anos invadiu a Escola Municipal Tasso de Oliveira, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, e matou 11 crianças.

Ana Vitória Queiroz, 22 anos. Foto: Arquivo Pessoal

As agressões contra Ana não ficaram apenas em xingamentos, mas evoluíram para uma agressão física. “Um dia elas me prenderam contra a parede, me xingaram,puxaram os meus cabelos e fizeram ameaças para não contar para ninguém”, relata. A estudante não denunciou as agressões para a direção do colégio, mas acredita que os professores sabiam o que acontecia. “ Na minha opinião, eles fingiam que não viam nada, mas era nítido que alguma coisa estava acontecendo entre mim e as meninas”.

Nem mesmo para a mãe a estudante contou os momentos de agonia. “Eu não sabia como falar sobre isso com ela, só tive coragem de contar anos depois”, relata. As agressões duraram cerca de 1 ano.

Aos 14 anos, quando já morava em Brasília, Ana voltou a sofrer bullying no novo colégio. “Algumas meninas me isolavam e falavam que não gostavam de mim, mesmo eu nunca tendo feito nada para elas. Mas, nessa época eu já tinha consciência que era bullying e consegui lidar melhor”, relata.

Para tentar lidar com os traumas, a jovem fez terapia e encontrou refúgio na biblioteca da escola. “Os livros e os poucos amigos que eu fiz no colégio me ajudaram muito, é importante ter algo para tirar o foco do bullying”.

Baixa autoestima e insegurança ainda ainda assombram a vida de Ana Vitória, mas a jovem conta que hoje prefere bloquear os sentimentos ruins. “ Tenho dificuldades em confiar nos outros, devido ao bullying, e quando eu lembro de tudo ainda dói,mas tento ao máximo passar uma borracha em tudo de ruim que fizeram comigo e viver da melhor maneira possível”, pontua a jovem.  

Dor e angústia

A psicóloga especializada no tratamento de crianças e jovens, Laíres Aquino, explica que o bullying é caracterizado por agressões físicas e verbais que causam dor e angústia na vítima. No caso das crianças é mais comum acontecer a partir dos 8 anos e nos jovens durante toda a adolescência.

As agressões precisam ser recorrentes para serem caracterizadas como bullying e  geralmente acontecem nos ambientes escolares, mas podem acontecer na internet, o chamado cyberbullying,e até mesmo dentro de casa.

As consequências para as vítimas podem ser a curto, médio e a longo prazo. A criança ou o jovem,em muitos casos, consegue superar os traumas, porém não é incomum desenvolverem comportamentos agressivos ou tornarem-se pessoas extremamente introvertidas e inseguras.

Além do abusador e da vítima, existe mais um terceiro elemento nas situações de bullying, que são os telespectadores, pessoas que não participam ativamente das agressões, mas dão a atenção que os abusadores procuram.”Geralmente as crianças e jovens que cometem o bullying são pessoas necessitadas dessa atenção, porque sofrem algum tipo de violência dentro de casa, física ou verbal. Por isso, reproduzem as ações nas escolas”, explica Laíres. Segundo a Unicef, 30% dos estudantes já praticaram bullying.

Luta diária

“ Eu pratiquei e sofri bullying”. Allan Andrade Ciqueira, 25 anos, estudante de publicidade e propaganda, conta que viveu os dois lados nas situações de bullying. Ainda na 1ª série ele relembra que agredia verbalmente um estudante deficiente auditivo na sala de aula. “ Eu o xingava e fazia brincadeiras sem graça, hoje eu lembro de tudo com muita vergonha, mas na época, não tinha consciência do que estava fazendo,nem do mal que poderia causar”.

Já na 5ª série a situação mudou e Allan se tornou vítima das brincadeiras que praticava. “Eu engordei e comecei a andar com as pessoas “excluídas” e nerds do colégio, então o bullying começou a me atingir”, relembra o estudante.

As agressões iam desde apelidos ofensivos até a apanhar dos colegas. “Foi então que eu percebi que os agressores não têm noção do mal que podem causar nas vítimas”.

O bullying não se limitava ao espaço do colégio, mas também acompanhava Allan no condomínio onde morava, ele relembra de uma situação que o marca até hoje. “ Estava com alguns meninos depois do jogo de futebol e um riu do meu peso e me mandou sair rolando a ladeira, todos que estavam em volta riram. Eu me senti horrível”.

“A pessoa que sofre bullying nunca esquece, eu lembro de todos os detalhes e carrego as cicatrizes até hoje. A luta é diária”. O estudante conta que atualmente está melhor, mas ainda carrega consigo inseguranças acerca da aparência.

Para evitar tais situações, Allan acredita que é primordial que as escolas façam atividades que promovam conscientização do bullying com os próprios alunos.”Na minha época, eu gostaria de ter visto um estudante que já sofreu as violências contar que é possível superar, teria me ajudado muito”, relata.

Choro antes de ir para a escola

A psicóloga Laíres Aquino também chama atenção para a importância dos pais em reparar mudanças nos filhos que possam indicar que eles estão sendo vítimas de agressões.”As crianças costumam chorar antes de ir para escola, fazer birras ou inventar doenças para faltar,com muita frequência, já os jovens são mais propensos a desenvolverem depressão, eles costumam se isolar e em casos extremos se auto-mutilam”.

Se os pais perceberem tais sinais é indicado que conversem com os filhos sobre o assunto, busquem saber da situação na escola e procurem ajuda de um psicólogo. “ É muito importante que a vítima converse com um profissional para que os traumas sejam tratados e não os acompanhe ao longo da vida”, esclarece a psicóloga.

As escolas também são peças chave na luta contra o bullying, destaca Laíla. “ É comum os professores e coordenadores só ficarem sabendo do bullying depois que ele já está acontecendo dentro da escola, por isso é importante que a prevenção seja trabalhada nesse ambiente”. Ela indica que as escolas promovam discussões diárias sobre o assunto, com rodas de debates e vídeos educativos.   

Boa relação com os alunos

O colégio Marista Champagnat, em Taguatinga, já trabalha com essas iniciativas e busca conscientizar alunos, pais e professores sobre o bullying dentro da escola. “ É importante que a escola tenha uma relação aberta com os alunos, para que eles se sintam à vontade em expor sentimentos e situações que os incomodem”, declara a orientadora pedagógica da instituição, Ana Paula Rodrigues.

Neste ano, o colégio criou um grupo de discussões entre alunos do 6º ano do ensino fundamental ao ensino médio, que busca debater variados temas, entre eles o bullying. “ É essencial que a gente escute os próprios alunos, porque em muitos casos só eles sabem o que acontece entre eles dentro da sala de aula”, explica a orientadora.

As discussões são variadas e vão desde debates sobre quais situações são caracterizadas como bullying, até às maneiras de se evitar tais agressões. Na última quarta-feira (3), o colégio promoveu um evento com peças e vídeos feitos pelos próprios alunos que conscientizam sobre o assunto.  

A direção da instituição pretende ampliar as iniciativas ao longo do ano, com urnas de “fale conosco” espalhadas pela escola. “ Os alunos vão escrever sobre situações e sentimentos, que em muitos casos, sentem vergonha de expor”. Além das urnas, os alunos vão receber cartilhas educativas que promovem a manutenção das discussões acerca do tema.

“Diálogo e ensinamentos sobre empatia são os nossos focos. É preciso que todos os alunos sintam que existem diferentes soluções para enfrentar os momentos de crise”, explica a pedagoga.

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