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Brasília

Banalização da bipolaridade abafa um pedido de ajuda

Arquivo Geral

25/02/2019 7h00

Atualizada 24/02/2019 19h53

Foto: Vitor Mendonça/Jornal de Brasília

Ana Karolline Rodrigues
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“Eu perdi amigos, namorado, emprego. Era uma montanha-russa horrível”. Perda, dúvida, sofrimento e preconceito. As palavras definem momentos da vida de portadores do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), como foi o caso da escritora Manoela Serra, 34 anos. Doença que afeta mais de 2 milhões de pessoas por ano no Brasil, o quadro pode ser um grande desafio para quem o apresenta, tanto pela dificuldade em lidar com os sintomas, quanto pela falta de informação sobre o assunto, que muitas vezes leva à banalização e à criação de um preconceito. “As pessoas não sabem como é difícil”, diz Alba de Matos, também diagnosticada com o TAB.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), esse transtorno afeta cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo e provoca episódios distintos de humor, separados por períodos de normalidade. Manoela Serra, por exemplo, após passar por um longo período de sua vida sem compreender o que causava os sintomas, hoje está em remissão da doença.

 

Manoela descobriu o TAB em 2009, após passar dez anos se medicando contra depressão, diagnóstico que lhe fora passado por um antigo psiquiatra. Segundo ela, os sintomas surgiram quando ainda era criança.

“Eu fiquei muito estranha. Fui ficando grosseira com todo mundo. E ninguém sabia [sobre a doença], só achavam que eu era rebelde”, diz. Apenas dez anos após, aos 25 anos, Manoela descobriu o TAB por meio de uma amiga de sua mãe, que tinha sintomas semelhantes e recomendou uma profissional.

Manoela Serra, 34 anos. Foto: Vitor Mendonça/Jornal de Brasília

Palestrante, Manoela participou recentemente de um bate-papo em um shopping de Brasília voltado à conscientização da saúde emocional. Ela falou sobre as dificuldades em viver com o TAB e superá-lo no dia a dia. “Anos de sofrimento deixam resquícios, então muita gente acha que nunca vai estar bem. Mas existe tratamento e qualidade de vida, sim”, exalta.

Em relação à familiares e outras pessoas que lidam com indivíduos que possuem a doença, ela faz um apelo para que trabalhem a empatia. “E quem precisa, que procure ajuda, não tenha vergonha de pedir”, acrescenta.


Características

De acordo com a psiquiatra e diretora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do DF, Elaine Bida, os transtornos psiquiátricos, em sua maioria, não têm causas definidas. “É algo multifatorial. Tem pessoas que apresentam herança genética ou situações familiares favoráveis”, afirma.

Elaine explica que a doença é caracterizada por dois polos distintos de sintomas. O episódio chamado de mania, segundo a psiquiatra, é marcado por uma euforia intensa, enquanto o quadro depressivo é marcado por períodos de extremo desânimo. “Na mania, a pessoa se sente muito disposta, tem um certo aceleramento mental. E no quadro depressivo há falta de energia, tristeza”, explica a psiquiatra.

De acordo com Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL) e diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o TAB afeta principalmente adultos, mas é variável. “Na maioria dos casos, a idade de início varia entre 15 e 25 anos, sendo os adultos jovens os mais afetados”, detalha.

Apesar de a doença não ter cura, o psiquiatra relata que, com o tratamento correto, a pessoa é capaz de controlar os sintomas e manter uma vida estável. “É uma doença tratável, o que faz com que a pessoa possa ter uma vida normal se mantiver o tratamento adequado com os estabilizadores de humor e psicoterapia”, acrescenta.

Devido aos sintomas semelhantes, a psiquiatra da Secretaria de Saúde, por sua vez, conta que muitas vezes a doença é confundida com depressão e que o diagnóstico só pode ser definido após vários exames e acompanhamento médico. “Existem características específicas para o médico fechar o diagnóstico. Às vezes as pessoas acham que acordar com um humor e dormir com outro é sintoma de bipolaridade, e não é assim”, diz.

Elaine reforça a importância da psicoterapia para a estabilização. “O tratamento tem que ser multidisciplinar: tomar os remédios e acompanhar com a terapia. É indispensável”, reforça.


Comportamento familiar tem influência

Em concordância com os psiquiatras, a psicóloga Adriana Rogéria de Brito Oliveira explica que existem causas genéticas para o transtorno, mas que também há componentes comportamentais que podem provocá-lo. “Um filho pode desenvolver a doença por genética dos pais ou por conta de comportamentos deles”, conta.

De acordo com Adriana, o que muitas vezes causa maiores dificuldades a estas pessoas é o tempo levado para que seja feito o diagnóstico. “Existe muita dificuldade, porque às vezes ela é confundida com depressão e até mesmo por conta de um preconceito. A gente vê muito as pessoas banalizando a doença: ‘ah, essa pessoa é bipolar’, sendo que é algo muito sério”, afirma.

Os períodos de depressão e mania variam entre os pacientes e podem durar meses ou até anos. Quanto ao tratamento psicológico, ela afirma que o objetivo é fazer a pessoa entender de que forma a doença afeta sua vida e ensiná-la a fazer análises sozinha quando for preciso, para saber evitar tais comportamentos impulsivos. “A partir do momento que a pessoa se conhece, está em contínua autoanálise, conhece o papel do remédio e da terapia, ela pode viver normalmente”, explica.

Volta por cima: informação e muito autoconhecimento

Assim como Manoela Serra, a ex-militar da reserva Alba Fani Dill de Matos, 54, também conseguiu alcançar uma vida com estabilidade emocional. Militar da Aeronáutica por 33 anos, casada e mãe, Alba se destaca entre pessoas que apresentam o TAB pela vida comum que foi capaz de adquirir. Entretanto, como outros, ela ainda teve que passar por situações adversas para alcançar qualidade de vida.

Alba Fani Dill de Matos, 54 anos. Foto: Vitor Mendonça/Jornal de Brasília

“Eu tive um problema de estresse muito grave no trabalho, em 1998, e o médico identificou que era transtorno bipolar, mas não deu uma orientação mais sólida. Então eu ainda não entendia aquela condição”, relatou.

Em uma consulta com outro médico, em 2003, Alba finalmente conseguiu compreender de que forma o transtorno poderia afetar sua vida e, enfim, começou a realizar o tratamento corretamente. “Tive uma crise muito forte e fui levada a um psiquiatra da aeronáutica. Ele sentou comigo e explicou o que era o transtorno bipolar, o que eram os medicamentos que eu tomava. Realmente fez todo um trabalho de conscientização”.

Para a aposentada, o diagnóstico da doença foi essencial para que a mesma pudesse alcançar a vida que tem hoje. “Há jovens que são diagnosticados e acham que a vida acabou, mas não. Você pode ter uma vida plena. O diagnóstico para mim foi uma boa coisa, me deu um norte, uma perspectiva do que evitar, do que fazer”, contou.

Alba está em remissão da doença. “Eu tomo a medicação mínima necessária. Faço meditação, acompanhamento psicoterápico. Sempre vai ter algo estressante, mas você vai saber lidar melhor se estiver orientado”, afirmou. “A vida da gente é como a gente escolhe”.

Para Manoela e Alba, entender o transtorno foi um grande passo para conseguir se ajudar e, agora, ajudar quem passa por situações parecidas. Após descobrirem a possibilidade de uma vida positiva, Manoela e Alba aprenderam que não precisavam mais se impedir de viver.


Saiba Mais

Os medicamentos para tratar o transtorno bipolar, em geral, são estabilizadores de humor, por causa do risco de ciclagem para a mania. O trabalho de psiquiatras é essencial para diagnosticar e indicar o tratamento para cada pessoa, de acordo com os sintomas.


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