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Brasília

Aumenta o número de denúncias envolvendo racismo

Arquivo Geral

27/04/2015 6h00

“Muita gente fala que, para acabar com o racismo, basta parar de falar sobre o assunto. Isso não faz o menor sentido. É a mesma coisa que dizer que, para acabar com a fome, basta parar de falar sobre o problema no Nordeste”. Pensando assim, Lorena Monique dos Santos, 21 anos, decidiu colocar o racismo em pauta. Estudante de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), primeira federal a adotar o sistema de cotas no País, ela fez do preconceito que sofre diariamente inspiração. Criou um blog que dá traços às frases mais escutadas por negros no ambiente universitário. A ideia rapidamente ganhou força e foi apedrejada. 

Com o título de “Ah, branco, dá um tempo”, o trabalho de Lorena retrata os mais diversos casos de preconceito racial. “O mais desesperador é perceber que as pessoas que falam muitas vezes não percebem que podem estar nos machucando. Elas simplesmente falam”, conta a jovem. Por meio de fotos, ela chama a atenção para um problema que acontece diariamente no Distrito Federal. Por dia, foram registrados, em média, 24 denúncias de racismo na capital, número 26% maior do que no ano passado, quando foram contabilizadas 19 por dia. As estatísticas são da própria Secretaria de Igualdade Racial.

“Esses são dados da última vez em que eu estive no espaço de funcionamento do Disque-Racismo, em março. Eu acredito, sinceramente, que são números, inclusive, subestimados porque, na realidade, é muito mais que isso”, salientou o gerente da Coordenadoria de Combate ao Racismo, Carlos Alberto Santos de Paulo, que avaliou o blog “Ah, branco, dá um tempo” como “marcante no enfrentamento ao racismo”.  Para ele, a página da estudante traz estigmas aliados aos negros. “É gritante. Quando a gente vê estampadas numa faixa frases discriminatórias, isso nos salta aos olhos. É o preconceito lendo a si mesmo”, disse.

Disque e denuncie o preconceito

No entanto, apesar da intenção de combater o racismo, o próprio blog foi vítima do problema que denuncia. No início do mês, as fotos foram alteradas e, no lugar das frases do ensaio fotográfico, ofensas diretas aos negros. “Não esperava o ódio”, disse Lorena em resposta às montagens. A estudante afirmou que o ocorrido serve apenas de estímulo para continuar a luta contra a discriminação racial. “Não me deixarei abater. Sinto que somos vistos, que causamos desconforto e isso é um bom sinal”, completou.

Inspiração

A jovem – que criou o blog inspirada no projeto da Universidade de Harvard I, Am, Too, Harvard, também feito por estudantes negros da instituição americana – contou que sofreu racismo ao longo de toda a sua formação. Por isso, avaliou: “É um problema coletivo que deve ser solucionado por todas as pessoas: negras e brancas”. Para ela, o silêncio não ajuda a combater a discriminação. “O ensaio fotográfico veio para mostrar que o silêncio não significa que está tudo bem, mas que as vozes das pessoas negras são silenciadas para que elas não falem aquilo que realmente sentem”, destacou.

Números

Em 2014, foram registradas 7 mil denúncias no Disque-Racismo. De janeiro a março deste ano, foram mais de 2,1 mil. Ou seja, aproximadamente 700 por mês.  Estatística que, para o coordenador, poderia ser ainda mais fiel à realidade caso o número da iniciativa – o 156 – tivesse mais divulgação. “Precisamos criar um mecanismo para dar publicidade a essa ferramenta. Estamos num momento de reformulação desse equipamento. Nossa ideia é dar à vítima um provimento daquela denúncia e  já encaminhar o relato à delegacia, por exemplo”, destacou Carlos Alberto.

Saiba mais

De acordo com Lorena, o nome do blog Ah, branco, dá um tempo não foi pensado para ser uma provocação ou causar segregação. Pelo contrário, ela diz que o intuito é somente chamar a atenção da sociedade. Para mais informações, acesse ahbrancodaumtempo .tumblr.com/

Racismo ou injúria racial

É importante observar a questão da desqualificação do preconceito racial. O coordenador explica que, no Código Penal, há duas interpretações para crimes raciais: a injúria racial e o racismo. No primeiro caso, a punição é amena, podendo o acusado pagar fiança e responder em liberdade. O segundo, porém, é imprescritível e inafiançável. De acordo com Carlos Alberto, hoje é comum que a discriminação seja tipificada como injúria racial nos boletins de ocorrência, o que se coloca à frente como outro desafio na luta pela igualdade.

“O agente por vezes desqualifica o crime racial, denominando de injúria racial. Isso é um obstáculo muito grande. Nesse sentido, estamos tentando rever essas diferenças de acolhimento, sobretudo na delegacia”, apontou o coordenador. Ele ainda critica o Direito no que diz respeito a combater o racismo. “A nossa sociedade é muito fluida na busca de conceitos para atenuar o racismo. A injúria racial é como se fosse uma ofensa à honra de alguém. Mas não é apenas a honra que é ofendida. É a subjetividade do individuo que é atingida. Muitas vezes, o cara deixa de sair de casa, entra em processo de depressão por causa disso. São as lacunas que o Direito vai buscando com algumas expressões para negar o delito racial”, salientou.

Ele explicou que, no DF, a segregação entre Plano Piloto e regiões administrativas coopera para a distinção entre negros e brancos. “Brasília tem uma configuração geográfica muito demarcada. No Plano, existe a ideia de que as pessoas estão mais equilibradas do ponto de vista financeiro. Só que isso é uma mentira. Brasília é uma das cidades mais desiguais do País”, afirmou Carlos Alberto.

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