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Brasília

Aos poucos, “Vicente Pires II” se impõe

Arquivo Geral

27/01/2017 7h00

Lotes são anunciados livremente pela internet. Investidores se fortalecem com apoio de políticos. Foto: Hugo Barreto

Eric Zambon
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As ruas da Colônia Agrícola 26 de Setembro, em Taguatinga, e adjacências são pacatas, mas se multiplicaram em quase dez vezes nos últimos 20 anos. De um acampamento criado para abrigar cerca de 100 famílias sem-terra, em 1996, se transformou em uma “Vicente Pires II”, como é apelidada, com lotes parcelados irregularmente colocados à venda em sites de venda pela internet. Os valores variam entre R$ 40 mil e R$ 170 mil.

Conforme o Jornal de Brasília mostrou ontem, figuras influentes do cenário político do DF atuam, direta ou indiretamente, no local. O ex-deputado federal José Edmar, preso em 2003 sob suspeita de integrar uma quadrilha de grilagem, por exemplo, seria dono de chácara na região que foi vítima do parcelamento irregular. O nome do senador Hélio José, que nega ter qualquer propriedade ali, também foi ventilado por locais.

A reportagem voltou à 26 de Setembro e ouviu novos nomes da política local que estariam envolvidos na compra e revenda irregular de lotes na região. Entre eles, do ex-deputado distrital e agora conselheiro do Tribunal de Contas do DF Márcio Michel, conhecido pelo apelido de Dr. Michel. A parlamentar Telma Rufino (PROS) também foi apontada por moradores como dona indireta de um terreno.

“Se o governo tirar a gente daqui eu vou achar ruim demais. Tinha que tirar é o povo que está loteando”, Euclides Bernardino da Silva, produtor rural da região

Ela nega a informação e garante que a única propriedade em seu nome está em Arniqueiras. Já o conselheiro Márcio Michel não foi encontrado e a assessoria do TCDF não respondeu até o fechamento da reportagem.

Os prejudicados

A especulação imobiliária não traz risco apenas para o meio ambiente – a colônia foi considerada parte da Floresta Nacional (Flona) em 1999 e, portanto, se tornou área de interesse ambiental. Quem se mudou para a comunidade para cumprir o objetivo inicial do assentamento, plantar, também sofre. Em meio aos terrenos retalhados, poucas terras produtivas resistem.

Saiba mais

  • O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informou haver “nascentes importantes” na área e, por isso, “como membro do Comitê de Governança do Território, segue acompanhando a questão”. O Instituto Chico Mendes também seria dono de terras na região e informou que “não existe nenhum processo” para abrir mão disso.

O seu Euclides Bernardino da Silva, produtor rural de 60 anos, se sente sufocado em sua propriedade. A terra em que cultiva feijão, mandioca e quiabo, além de algumas hortaliças, é uma exceção na colônia agrícola Cana do Reino, em frente à 26 de Setembro. “Quando virar tudo casa aqui ao redor, o que eu vou fazer?”, reclama o idoso.

Ele e a esposa, Margarida Elias da Silva, também produtora rural, de 50 anos, dizem morar na chácara há décadas. Seriam cadastrados como agricultores pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e venderiam frutas e legumes no Ceasa e para vizinhos. “Se o governo tirar a gente daqui eu vou achar ruim demais. Tinha que tirar é o povo que está loteando”, critica. “Em cima estão loteando, embaixo estão loteando, do lado estão loteando. Fica difícil”.

Condomínios erguidos

O JBr. constatou o parcelamento de propriedades ao lado da chácara dos produtores Euclides e Margarida. Algumas ostentam pequenas plantações na entrada, mas a maioria abriga apenas barracos com caixas d’água. Diversos “condomínios” se formam. Terrenos cercados e com portões, indicando o endereço e até o nome do local, se proliferam pela área verde. Como consequência da ocupação, vários pontos se tornaram depósito irregular de lixo.

A Agefis fez operação em dezembro e informou ter desocupado quase 110 mil m² na colônia agrícola em 2016. Segundo a Terracap, as cerca de 100 famílias de meados dos anos 1990 se multiplicaram em mais de 10 mil habitantes na região, que tem 997 hectares. Pelo tamanho e complexidade administrativa, “Vicente Pires II” ainda será um problema para as próximas gestões.

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