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Brasília

A cada três dias, uma criança ou adolescente morre por arma de fogo no DF

Arquivo Geral

14/12/2017 7h00

Foto: João Stangherlin

Raphaella Sconetto
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A capital do País registrou o segundo pior índice de homicídios por arma de fogo de crianças e jovens até 19 anos – atrás apenas do Espírito Santo. O estudo é da Fundação Abrinq e analisou dados de 2015 do DataSUS, vinculado ao Ministério da Saúde. Os números apontam que a cada três dias uma criança ou adolescente morreu no DF. Ao todo foram 132 vítimas de arma de fogo. O governo local contesta os resultados, mas não dispõe de números que possam rebater o levantamento.

A Secretaria de Segurança não tem nenhum dado relativo a homicídios dessa parcela da população. Os números apontam somente o total de crimes sem fazer diferenciação de idade, por exemplo. Em 2015, os dados oficiais apontam 614 homicídios.
A pesquisa da Abrinq, por sua vez, indica que as principais vítimas na capital, com base nesse recorte, são jovens entre 15 e 19 anos: em 2015, foram 93% dos casos (123). De 10 a 14 anos, houve sete vítimas e, de 0 a 9 anos, dois homicídios por arma de fogo.

Em todo o Brasil a realidade é mais preocupante: a cada dia 30 menores de 19 anos morrem. De acordo com dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), entre 1990 e 2014, o número de homicídios de brasileiros até 19 anos mais que dobrou: passou de 5 mil para 11,1 mil casos ao ano.

Inseridos na violência

De acordo com Heloísa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq, os dados apontam que há cada vez mais envolvimento de crianças e adolescentes com a violência, seja como autores ou vítimas. “Não dá para dizer que eles estão mais envolvidos com o tráfico de drogas, por exemplo. Mas estão se tornando mais vítimas de toda a violência. É um dado que vem crescendo e preocupa”, aponta.

“Por outro lado, existe a questão de que há adolescentes envolvidos nos cometimentos de crimes. Para esse contingente, que não é o foco da pesquisa, há claramente sinais desses adolescentes com o uso e tráfico de drogas e outros crimes, como furto e roubo”, completa.

As vítimas são, em sua maioria, meninos negros, pobres e que moram nas periferias. De acordo com a pesquisa Homicídios na Adolescência no Brasil, o risco de um adolescente negro morrer por homicídio é três vezes maior do que um jovem branco.
Segundo Heloisa, as vulnerabilidades sociais estão interligadas com os assassinatos. “Isso nos mostra que há uma ausência de proteção, que existe o afastamento da escola, a própria questão da pobreza e racial. A violência não está isolada. Tem relação direta com todos os fatores sociais”, alega.

Problema vai além da segurança pública

A porta-voz da Fundação Abrinq acredita que melhorias só virão depois que o governo mudar o seu olhar sobre a violência. “Não é meramente policial, não se trata de aumentar o policiamento e a segurança pública. Todas as linhas que temos visto seguem uma lógica simplista de aumentar pena, encarceramento, policiamento”, critica. “É preciso uma política social ampla, que tenha proteção, melhoria na cobertura de escolas, de geração de oportunidades de lazer e cultura”, propõe Heloísa Oliveira.

Um exemplo deste cenário ocorreu na noite da última terça-feira, quando um jovem de 19 anos foi assassinado com pelo menos 13 tiros de arma de fogo. Raul Victor Garcez Soares jogava futebol em uma quadra sintética de Sobradinho II quando o autor do crime efetuou os disparos. Pelo menos cinco atingiram a cabeça do rapaz, que morreu no local. Ainda não há informações da motivação do crime e até o fechamento desta edição não havia identificação do suspeito.

Discordância

O secretário de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude, Aurélio Araújo, discorda da pesquisa da Fundação Abrinq. Em um primeiro momento, ele questiona os dados. “A pesquisa aponta 132 mortes, mas não vieram de fontes oficiais. Acredito que esse dado não tenha precisão”, defende.

“O relatório aponta crianças e adolescentes até 19 anos. Pessoas a partir de 18 anos já não são mais resguardadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. E se essas mortes são a maioria a partir de 18? A pesquisa não deixa claro”, completa.

O secretário garante que essa não é mais a realidade da capital. “Nossas taxas de homicídio têm caído exponencialmente. Uma outra pesquisa que tive acesso aponta que o DF está entre os cinco estados com os menores índices de violência. Então, acredito que essa pesquisa não é o retrato das crianças e adolescentes da capital”, alega.

Por fim, Araújo aponta os projetos desenvolvidos pelo governo para acolher meninos e meninas em projetos educacionais, sociais e de cultura e lazer: “Universalizamos o acesso à creche, existem os centros de juventude, vilas olímpicas, tem o projeto Jovem Candango, o programa Bora Vencer. É uma série de políticas públicas intensas e que colaboram para que o número de homicídios caia”, conclui.

Ponto de vista

Para o especialista em segurança pública Nelson Gonçalves, é preciso cautela, tendo em vista que a pesquisa apresenta uma data única e não uma série histórica. “Não sabemos se o número de homicídios aumentou ou diminuiu. Por isso, não conseguimos fazer muitas inferências nem comparações”, pondera. No entanto, para ele, pode existir uma ligação entre as mortes e o envolvimento dos menores com a criminalidade. “Essa faixa etária é a que mais apresenta incidência de atos infracionais. Eles se tornam atrativos para o mundo do crime”, afirma.

Gonçalves acredita ainda que a questão é mais ampla do que o contato de crianças e adolescentes com o crime. “Temos problema de ordem social, política, econômica e de alguma maneira criam todos os entraves que conduzem a esse quadro. Não há um fator determinante para solucionar as taxas de homicídios. Uma série de coisas pode ser feita, desde a educação, trabalho, para que as crianças fossem melhor assistidas. A família entraria para mudar a questão de valores éticos e morais”, conclui o especialista.

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