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Brasília

Um capitão

Arquivo Geral

27/10/2016 7h44

Atualizada 26/10/2016 13h49

Poderia ter alterado toda a coluna de ontem para falar do tema. Daria tempo. Pensei melhor, porém, e decidi que um cara (por favor, não vejam qualquer tipo de desrespeito nesta forma sem cerimônia de falar nele) como ele deveria ter um tratamento diferenciado. Por esta razão apenas hoje, quando definitivamente Carlos Alberto Torres é saudade, vou escrever um pouco sobre o capitão do tri, o comandante daquele que, para muitos, foi o melhor time que o Brasil apresentou em Copas do Mundo; um treinador que sabia, como poucos, motivar uma equipe e tirar dela todo o seu potencial.

Por razões que desconheço, meu falecido pai, que nunca jogou bola ou foi jornalista, mantinha relação de amizade com o Capita. Ou melhor… Não posso dizer que não tenha minhas suspeitas: Carlos Alberto Torres era suburbano, como ele; gostava de um samba, como ele; frequentava a noite, como ele; andou pelos lados da Estação Primeira de Mangueira, inclusive com alguns flertes, como ele… Acho que está mais do que explicada a amizade, não? Lembro, e não sei onde foram parar, que meu pai guardava com carinho numa carteira que nunca usava, antigas notas de um cruzeiro com os autógrafos de Brito e Carlos Alberto Torres. Contava histórias fantásticas de, um dia, alguns jogadores campeões do mundo terem passado por Pilares, num camburão de polícia, festejando – inclusive com o maior deles dormindo na “caçamba”. Outros tempos.

Carlos Alberto Torres imortalizou o beijo na Jules Rimet. Como ele mesmo dizia, foi um gesto de amor, de reverência. Naquele momento, mais do que erguer um simples troféu, Carlos Alberto Torres mostrava ao mundo que o Brasil era, sim, o país do futebol, com três conquistas em quatro edições seguidas do Mundial (58, na Suécia; 62, no Chile; e 70, no México; só furando 66, na Inglaterra). E nosso complexo de vira-lata estava sendo definitivamente sepultado ali, em Guadalajara, diante de apaixonados mexicanos que vibravam tanto quanto nós, brasileiros, que pela primeira vez víamos uma Copa do Mundo ao vivo pela televisão – em preto e branco.

Por onde passou, como jogador ou treinador, Carlos Alberto Torres deixou suas marcas. E não apenas por onde passou. Por isso, é natural que praticamente todos os grandes clubes brasileiros e boa parte da imprensa esportiva internacional tenha sofrido uma verdadeira comoção com a sua morte. Logo ele que era uma aparente fortaleza de saúde com seus bem vividos 72 anos. Em qualquer rodinha de boleiros, na terça-feira, seu nome era o assunto mais citado.
Treinador do timaço do Fluminense nos anos 80, por exemplo, viu sua equipe ser goleada pelo Botafogo. Protestos da galera contra dirigentes, jogadores e, claro, comissão técnica. Na saída do Maracanã, um torcedor reconhece, no banco do carona do carro, o técnico. E ofende a mãe. Poucos metros adiante o carro para. Desce Carlos Alberto Torres, armado, nas duas mãos, e pergunta quem fora o valente que xingara sua genitora. Claro que ninguém se apresentou, desculpas foram solicitadas e a vida seguiu. Simples assim.

Um ano antes, estreando no Flamengo, já expulsara torcedores que pediram carona no ônibus do clube quando soube haviam xingado o time. Foi autor, nesta época, da antológica frase “meu time é Bigu é mais dez”, dando força a um recém-promovido júnior, apenas para provar ao time que estava pronto e disposto a encarar críticas e cornetadas pelo bem da equipe. Sagrou-se campeão, é claro. Quase duas décadas depois, viveu situação totalmente diversa, sendo chamado pelo rubro-negro para salvar o time do rebaixamento que parecia questão de dias. Conseguiu. Aliás, ser salvador de times em desespero era outra de suas virtudes.

Com passagens por Fluminense (onde começou a carreira), Flamengo, Botafogo, Santos e Cosmos (dos Estados Unidos), Carlos Alberto Torres não escondia de ninguém a emoção maior pela conquista da Copa Conmebol (a Sul-Americana de então) com o Botafogo. E por uma razão muito simples: o time era extremamente limitado. E o Capita tirou, de cada jogador, mais do que o máximo para chegar ao título. Sabia mexer com as pessoas, falava seu linguajar, era humano. Característica tão forte que provocou choros e muita emoção entre seus colegas do SporTV, onde trabalhava nos últimos tempos como comentarista.
Sem temores, bateu de frente com o companheiro Tostão quando este recusou a “aposentadoria” dada pelo governo para os campeões do mundo. Lembrou que muitos não tinham conseguido ganhar dinheiro e dependiam daquela grana para sobreviver. Criticou os novos craques, que não dedicam à seleção o amor e respeito devidos. Pediu para Neymar esquecer de ser capitão da seleção, lembrando que Pelé, Garrincha e Ronaldinho, para citar apenas três, jamais quiseram a função. Finalmente, sofreu como poucos a dor dos 7 a 1, pedindo que se respeitasse a camisa amarela, pentacampeã do mundo. Uma camisa que ele vestiu com muito orgulho e dedicação.

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