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Sem Firula

Só dor

Arquivo Geral

30/11/2016 11h29

Poderia ser com qualquer um de nós, jornalistas esportivos, que amamos o que fazemos. Quis o destino que fosse com alguns amigos, ex-colegas de redação, jovens que um dia, modestamente, demos dicas, ajudamos de alguma forma. E, claro, não posso excluir os jogadores, os membros da comissão técnica, os dirigentes, os tripulantes… A queda do avião que levava a equipe da Chapecoense para o primeiro jogo da final da Copa Sul-Americana provoca, de pronto, este tipo de reação.

Sou apaixonado por viajar. Como sou por esportes, por futebol. Com a idade avançando, costumo dizer que não dispenso nenhuma festa de aniversário para a qual um dos meus filhos seja convidado porque quero festejar a vida. Quando comecei a perder pessoas queridas me dei conta disso. Por isso, de vez em quando, em minhas colunas conto histórias que fizeram parte da minha vida. Uma forma de eternizar bons momentos, projetá-los. Canso de narrar aventuras para meus pequenos. Vejo seus olhos brilhando e desejo que, um dia, quando eu não estiver mais com eles, que se lembrem destas situações.

Ontem, quando cheguei ao trabalho, fui surpreendido com a televisão ligada e todos lamentando. Não sabia o que havia ocorrido. Meu mais velho está adoentado e passou mal toda a noite – e quando um dos meus filhos não se sente bem, o mundo para mim acaba. Só eles me importam. Se eu mantivesse meus hábitos, de ficar com a televisão ligada até tarde, o computador conectado, certamente já saberia do fato.

Quando obtive novas informações, de que era um voo fretado, com jornalistas, comecei a imaginar que algum conhecido poderia estar nele. Foi pior. Tinha não apenas conhecidos, como fraternos amigos. Amigos com quem um dia joguei uma pelada no Maracanã (aquele, de 200 mil lugares). Amigos com quem um dia dividi coberturas espetaculares, no Brasil e no exterior. Amigos com quem um dia passei horas conversando e resolvendo todos os problemas do futebol brasileiro. Amigos…

Normalmente envio a coluna pela manhã, com direito a algum tipo de atualização durante o dia. Desta vez, não consegui. Demorei muito a conseguir sentar diante do computador para escrever alguma coisa. Sinceramente nem sei se será pior do que habitualmente o é – e agradeço aos leitores que me acompanham se isso estiver acontecendo. É um dia complicado demais. Como disse, a idade vem chegando e sempre achamos que pode ser nossa última viagem, nosso último encontro, nosso último jogo…

Há dias, quando embarquei para a Itália para a reunião da diretoria da Associação de Imprensa Esportiva Internacional, ouvi lamúrias e reclamações de minha mãe. Adoentada, lamenta sempre que um ente querido se afasta dela. Disse que, se algo acontecesse, ela poderia estar certa de que eu estava feliz. Estava viajando e cuidando do jornalismo esportivo que norteou minha vida desde antes de eu ser jornalista esportivo. E quem faz o que ama, quem faz o que gosta, está feliz.

Tem sido dias difíceis. Problemas no (outro) trabalho, indefinições profissionais… Mas quando volto à casa, diante dos sorrisos de Enzo e Pietro e da companhia da tevê sempre ligada em alguma competição esportiva, tudo de ruim que o mundo nos reserva fica lá fora. Paulo Julio, Victorino, Mário Sérgio, Deva… Todos eles ajudavam nisso que acabei que escrever. Curtindo uma modesta partida entre times desconhecidos da América do Sul, ou vibrando com a cobertura de mais uma Copa do Mundo, tudo isso faz parte deste universo, para mim mágico, do jornalismo esportivo.

Parece (quando escrevo ainda não há confirmação) que o Atlético Nacional, da Colômbia, solicitou à Conmebol que declare a Chapecoense campeã da Sul-Americana. Atitude digna, bonita, típica de quem ama o esporte. Mesmo se não for verdade, só o fato de alguém ter pensado nisso já dá um conforto para que pensemos que o mundo tem jeito. Na Copa do Mundo de 1990, na Itália, estive com a seleção brasileira na visita ao monte Superga, onde bateu o avião que conduzia o Torino, em 1949. Uma visita emocionante, emocionada. Lembro de cada detalhe, de cada conversa, da tristeza que todos nós, que cruzamos ares por conta do futebol sentimos.

Poderia ser com qualquer um de nós, jornalistas esportivos, que amamos o que fazemos. Quis o destino que fosse com alguns amigos. Neste momento, só há dor e lembranças para registrar.

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