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Sem Firula

Triste retrato

Arquivo Geral

06/01/2017 8h15

Atualizada 05/01/2017 15h16

Por questões de horário não compareci ao Maracanã na última quarta-feira do ano que acabou para ver o jogo das estrelas promovido por Zico. Normalmente fecho ali, naquela partida amistosa, meu ano futebolístico. Claro que, com um pouquinho de empenho, conseguiria chegar a tempo e ver não só a partida como (e essa é a principal atração do jogo) rever antigos craques e vários companheiros de mídia que já estão curtindo sua aposentadoria, mas voltam a todo vapor neste duelo festivo. Alguma coisa me dizia para não ir. E ontem, na enlouquecidamente quente madrugada carioca, vi que não estava errado. Ao abrir um dos vários jornais que leio diariamente (não é necessário omitir o nome, foi em O Globo), verifiquei a situação de abandono em que se encontra o Maracanã.

Nestes 53 anos e pouco de vida, vou àquele templo há pelo menos uns 48. Houve tempo em que ia ao Estádio Jornalista Mario Filho quatro vezes na mesma semana: quarta-feira, quinta-feira, sábado e domingo. E sempre chegando a tempo de ver a preliminar de juniores, com direito a refrigerante e cachorro-quente. Chorei muitas vezes por não conseguir que meu querido pai me levasse tantas vezes quanto eu desejava. Irritado, batia o pé e protestava, esquecendo que, dono de um pequeno bar no subúrbio do Rio de Janeiro, fechar o estabelecimento para fazer minha vontade representaria um baque nas sempre combalidas finanças da casa. E chorava, protestava, levava o radinho de pilhas para o quarto e entre mais protestos e lágrimas ouvia o jogo que desejava estar assistindo.

Espero que ele, onde estiver hoje, me perdoe pelos atos de imcompreensão. Mas era uma paixão que batia forte, irrepremível, necessitando ser correspondida. Desculpe, pai.
Lembro, porém, como era divertido ir ao estádio naqueles tempos. Naquela época o Maracanã comportava 200 mil pessoas. E eu sempre me emocionava vendo aquelas traumáticas cenas da final da Copa do Mundo de 1950. Sempre pedi para jamais passar por tais sensações. E vi centenas de jogos. Do meu time e de todos os demais do Rio de Janeiro. E de outros estados, de outros países. Nas arquibancadas, ficava sempre no último degrau, por vezes me encostando na parede para ficar mais confortável. Diziam que o Maracanã estava velho, destruído… Tudo mentira. Até o banheiro, mesmo em dias de jogos com mais de 100 mil pessoas, se podia usar – rapidinho, claro, mas podia.

Vi o triste acidente na final do Brasileiro de 92 quando a grade caiu e trouxe para cima das cadeiras vários torcedores que estavam na arquibancada. Eu, de folga, trabalhei feito louco até umas 23h. Já era jornalista, então. E, de folga, estava no Maracanã para ver a decisão. O acidente provocou a primeira grande reforma que vi no Maracanã. Por algum tempo colocaram uns pilaretes que, sinceramente, não seguravam nada. Mas diziam que eles eram fundamentais para a segurança do quase cinquentenário estádio. Azar dos torcedores, que perderam espaço. Mas se este era o preço a ser pago…

Outras pequenas reformas aconteceram, depois. Veio uma grande, para os Jogos Pan-Americanos de 2007. O estádio ainda não havia “encolhido”, mas a torcida não enchia mais os seus 200 mil lugares. Tivemos grandes públicos, como a final da Copa do Brasil entre o Flamengo e o Santo André; a final da Libertadores entre o Fluminense e a LDU (nos dois casos derrota dos times cariocas), mas os 200 mil… Nunca mais.

Escolhido o Brasil para receber a Copa do Mundo de 2014 (ou melhor, retificando, indicado o Brasil, visto que não tivemos concorrentes), a maior reforma de todas. Acabaram com as arquibancadas, destruíram a histórica marquise, colocaram cadeirinhas coloridas e o Maracanã diminuiu. Menos de 100 mil pessoas. Mas haveria de valer a pena: iríamos resgatar o sofrimento de 1950 e, finalmente, conquistar o título mundial dentro da nossa casa, dentro do estádio que fora construído, 65 anos antes, para receber a primeira Copa do Mundo do pós-guerra. Não aconteceu. O 8 de julho do Mineirão e os alemães impediram – e foram eles que fizeram a festa na nossa casa. Na minha casa, no meu estádio.

Dois anos depois, para provar sua grandiosidade, o Maracanã recebeu a abertura e o encerramento da primeira Olimpíada realizada na América do Sul. Mais uma vez fazíamos história. E foi uma história com final feliz porque, finalmente, conquistamos a medalha de ouro no futebol. Um título que buscávamos há quase um século. Uma medalha que fazia falta nos nossos corações. Era para, definitivamente, alguém cuidar bem daquele monumento, certo? Errado.

Na tal reportagem (e peço desculpas aos leitores por ter enrolado tanto para voltar ao tema, mas na realidade nem queria retornar…) fiquei sabendo que várias cadeiras foram retiradas (por quê?) e ainda não foram recolocadas. Que o mofo tomou conta de alguns lugares, que os camarotes surgidos para o Mundial estão abandonados e sem os equipamentos que os destacavam, que o gramado (que heresia!) está seco e destruído porque não há ninguém para cuidar dele e, como há quase uma semana falta luz no estádio a irrigação não funciona.
Este é o triste retrato de um estádio que já recebeu duas finais de Copa do Mundo; uma Olimpíada e uma Paralímpiada; o Papa em sua primeira visita ao Brasil; um show de Frank Sinatra no auge de sua carreira; uma partida de vôlei, quando russos e brasileiros pegaram panos e vassouras para enxugar a quadra e permitir que o jogo acontecesse… Este é legado olímpico – auxiliado, infelizmente, pelos problemas advindos de um gasto absurdo em sua reforma (mais de R$ 1 bilhão) e sua entrega para uma empresa que não tratou dele como deveria – e agora quer livrar-se. Pobre Maracanã.

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