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Coitado do gerúndio!

Arquivo Geral

29/06/2017 16h36

Por acaso você ainda se lembra que o ex-governador do DF José Roberto Arruda determinou proibição de usar o “gerúndio para desculpa de ineficiência”? Apesar de não saber mesmo se isso era uma piada, muita gente comentou o caso. O que ele quis falar com “gerúndio”? Sinceramente, fiquei sem entender como alguém usa o gerúndio para dar
desculpa de ineficiência. Será que ele quis falar do malfadado “gerundismo” (quando a pessoa utiliza a construção “verbo ir + estar + gerúndio”, como “vou estar resolvendo”)? Se for isso, realmente dá ideia de nunca haver fim.

Uma grande injustiça A discriminação com o chamado gerundismo atingiu até mesmo o mais genuíno e admissível gerúndio simples. Não podemos nos esquecer de que é uma marca de aspecto verbal totalmente legítima na língua, e não pode ser estigmatizada por nossos preconceitos aprendidos. Note que o gerúndio pode servir para várias situações, não somente para o aspecto imperfeito. “Tá. Mas o que é isso?”, você perguntaria. É uma forma verbal que mostra uma ação que não se concluiu, que está em curso.

O que pode significar

O gerúndio (com exemplos clássicos) pode dar ideia de (1) ação simultânea a outra: “Os Pereiras também arrenegados morrem, arrenegando o céo e os fados”; (b) Indicativo de caso realizado imediatamente antes: “Isto dizendo, manda os diligentes ministros amostrar as armaduras”; (c) ou depois de um acontecimento: “Ffoy visitar… os portaaes… e alli lhe apareçerom os samtos apostollos abraçando-o amigavelmente e fazendo-lhe graças”; (d) Pode exprimir a causa determinante de outro fato: “Duarte Pacheco sentindo esta desconfiança e temor de que elrey trazia, o esforçou”; (e) Modo ou meio de instrumento: “Ja Christo neste tempo lhe ordenava que padecendo fosse ao ceo subido”. Curioso, né?

O que é gerundismo e o que diz a linguística

Gerundismo não poderia ser atribuído ao uso de qualquer gerúndio. O próprio uso do sufixo “-ismo” tem uma carga pejorativa na construção de alguns substantivos. A prova disso é que encontramos formas paralelas para a mesma ideia. Vejamos o exemplo de moralismo. Ninguém é contra a moralização, mas, com esse sufixo, temos outra ideia da inserção da moral e sua forma. Assim é com o “gerundISMO”. É certo que não estamos estudando o sufixo em questão, mas que, em algumas orações, a “gerundização” é necessária, legítima e, portanto, não questionada pelos vigias da língua pura.

Críticos classificam esse gerundismo como uma forma abusiva do gerúndio, afirmando que, por ser uma simples construção de futuro, poderia ser substituída por “pagarei”. A situação, como vimos, não é tão simples. Eu mesmo resolvi estudar o gerúndio na disciplina de morfologia oferecida no mestrado em linguística pelo professor Dioney Moreira, doido que estava para descer o malho no uso do “gerundismo”. No fim das contas, aprendi que o buraco é mais embaixo.

Pragmatismo – a prática do gerúndio

Aquele uso estigmatizado de que falei lá no começo é tratado como linguagem que se aprende no mundo do telemarketing ou que mostra anglicismo. Mas o buraco é mais embaixo. Lembre que antes de existir telemarketing, já se usava essa construção.

Como questão pragmática, quem a utiliza mostra incapacidade de decidir sozinho ou respeito pelo interlocutor. “Vou estar solicitando” pode dar ideia de tentativa sem garantia ou mesmo de alguém que se põe em posição inferior. Veja que você nunca falou pra sua mãe: “Vou estar arrumando o quarto hoje à tarde”. Com esses comentários, e mesmo sabendo que é tema que dá um livro bem grande, “vou estar concluindo” esta coluna que desejo ser um bom motivo para você “estar pensando” no fenômeno da gerundização e não culpar tanto o coitado do gerúndio.

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