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ALGUMAS REBELDIAS MINHAS

Arquivo Geral

14/08/2018 8h00

Atualizada 13/08/2018 22h23

Olhar para a língua como algo vivo faz a gente perceber que ela tem o mesmo poder de um organismo que se desenvolve sem a gente controlar muito. É claro que ela sofre a influência do meio em que está, mas, certamente, não fica estagnada. O bom é que percebamos sua história desde o nascimento e, com isso, consigamos projetar as possibilidades no futuro.

O caso do verbo suicidar

Quando alguém se mata, temos que escrever que a pessoa “se suicidou”. Estou dizendo que o verbo é exigentemente pronominal. Essa partícula reflexiva é obrigatória: “Ele se suicidou”, “Os jovens se suicidaram” ou “Suicidar-se é um ato extremo do sofrimento humano”.

Uma das minhas rebeldias na língua portuguesa é não aceitar essa característica pronominal do verbo suicidar. Não tanto pela pesquisa morfológica da palavra, o que é justificado por muitos, mas eu sei que as pessoas não são obrigadas a saber que o prefixo “sui-“ já quer dizer “a si mesmo”. O “-cida” significa “matar”, portanto, em “inseticida”, temos “algo que mata inseto”; em “feticida”, quem mata feto, e por aí vai. Logo, “suicida” é alguém que “mata a si próprio”. O que leva, morfologicamente, a uma compreensão de que a partícula de reflexão “se” seja uma redundância.

Entretanto, minha resistência não é por isso. Entendo que, na concepção do verbo, independentemente de suas informações morfológicas, ele pode, por natureza da compreensão dos falantes, impor essa exigência. Minha rebeldia está no fato mais pragmático da palavra: alguém que suicida (já tirei o pronome) não pode fazê-lo contra outra pessoa a não ser a si próprio. Não há qualquer dúvida do objeto da ação. “Roberta suicidou”, certamente, não exige mais nada para sabermos quem foi morto e até quem matou.

O feminino na diaconia

Em muitas igrejas cristãs (creio que a maioria), existe um cargo chamado diaconato. Composto por diáconos, o ministério caracteriza-se pelo serviço. Tradicionalmente, o feminino de diácono é “diaconisa”. Aí, eu entro com minha rebeldia e mando um “diácona” bem bonito e simples nos meus textos.

Compor feminino com um simples morfema “-a” é o mais básico do português. Alguns resistem, mas nesse caso – como em bispo / bispa –, não vejo motivo para, pelo menos, já começarmos a adotar a possibilidade de ser facultativo. Nesse caso, creio ser uma questão de tempo.

O lado perigoso

Muito cuidado com o que falamos neste texto. A rebeldia está colocada como resultado de reflexão e conhecimento dos locais em que o texto se encaixa. Digo isso para que você tenha em mente que há uma regra básica e padronizada que é exigida de todos em ambientes mais monitorados, como uma prova de vestibular ou concursos. Ali, não seja rebelde. Pode custar bons pontinhos e destruir sua aprovação. Uma hora, aqueles que exigem chegarão lá e mudarão as coisas. Não dá pra segurar a força de uma onda.

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