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Histórias da Bola
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Cruzeiro do Tusta

Arquivo Geral

31/12/2017 22h48

Nenhum torcedor da década-1960 seria louco para apostar que o Cruzeiro pudesse impedir o Santos de ser hexa da Taça Brasil, disputa criada pela Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF), para substituir o já desinteressante Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais.

Só mesmo em Minas Gerais se conhecia o poderio daquele time que, montado no talento de Raul Guilherme, Wilson Piazza, Natal, Tostão e Dirceu Lopes, principalmente, surpreendeu o país, durante a noite do 30 de novembro, goleando a turma do “Rei Pelé”, por 6 x 2, no Mineirão, em Belo Horizonte, diante de 77.325 pagantes – com os caronas, 90.000 almas – renda de Cr$ 223 milhões, R$ 170 a mais do que no Pacaembu, que arrecadou pouco acima de Cr% 60 milhões.

Veio a noite do 7 de dezembro e o Cruzeiro foi ao enlameado gramado do Pacaembu, invicto, jogar pelo empate. Os prenúncios da partida, porém, não eram nada bons: 1 – A imprensa paulista o recebera com muita frieza; 2 – O “xerife” William ficara com a cabeça em BH, deixando a sua filha, de um mês, com gastrenterite; 3 – Na véspera do jogo, o goleiro Raul teve um pesadelo e bateu o peito de um dos pés em dos lados da madeira da cama do Hotel Normandy. 4 – O local inchou e ele foi levado ao departamento médico do Palmeiras, onde recebeu raios ultra-violentas. 5 – Raul passou todo o dia da partida decisiva colocando toalhas quentes no pé machucado, mas jogou sem nada sentir.

Se tais aborrecimentos eram poucos, mais três ainda viriam: 6 – em 25 minutos, o Santos fez 2 x 0. 7 – Seu presidente, Athiê Jorge Curi, e o da Federação Paulista de Futebol, Mendonça Falcão, usaram o intervalo da partida para irem ao vestiário celeste, querendo discutir a marcação do terceiro jogo, no que foram rechaçados; 8 – aos 12 minutos do segundo tempo, Tostão perdeu um pênalti. Ele não via bem a marca de cal e afastou a bola, que o juiz Armando Marques recolocou onde deveria estar. Durante a cobrança, seu pé esquerdo bateu num monte de barro, fazendo o chute sair fraco e defendido pelo goleiro Cláudio.

– Graças a Deus, aquilo (o chute fraco) serviu para nos conduzir à vitória”, disse Tostão, ao repórter Fernando Richard, da revista carioca “O Cruzeiro”, que enviou cinco fotógrafos – Ronaldo Moraes, Manoel Mota, José Nicolau e Luiz Alfredo – para a cobertura da finalíssima e das festividades belo-horizontinas.

Saía tudo como o diabo gosta – saía, mas saiu a reação cruzeirense, com Tostão e Dirceu Lopes empatando e Natal desempatando, no penúltimo minuto da pugna.

No vestiário, após o prélio, todos beijaram o troféu e choraram, de alegria. Só Raul e William haviam escapado de perder suas jaquetas para à torcida que, de Tostão, arrancou até os sapatos. Por sinal, os cerca de cinco mil torcedores mineiros que foram ao estádio (25 mil santistas) passaram a noite zuando na esquina do hotel, onde os atletas chegaram pouco depois de deixarem o vestiário, onde, também, estiveram os treinadores Zezé e Aymoré Moreira cumprimentando o irmão campeão Aírton, com quem foram jantar.

Em BH, as ruas ficaram vazias. A maioria das pessoas assistiam as transmissões das TVs Itacolomi e Alterosa. Mas viveram um carnaval, após o apito final, levando uma multidão para a frente da sede do clube, para comemorar a vitória até as primeiras horas da manhã do 8 de dezembro.

Os políticos não perderam tempo. O ex-governador Magalhães Pinto, construtor do Mineirão, foi o primeiro a se congratular com os campões, por telegrama urgente. No dia seguinte, o governador Israel Pinheiro, que chamou o troféu de Taça Brasília, pegou carona nas comemorações em um palanque armado por emissora de rádio, para colocar faixas da casa em Wilson Piazza, Dirceu Lopes e no presidente cruzeirense, Felício Brandi. No desembarque na cidade, porém, o time já havia descido do avião com as faixas de campeão da Taça Brasil-66. Do palanque, a turma seguiu para a sede do clube, onde rolou mais carnaval e, também, discursos.

Para recebe-los, desde as primeiras horas da tarde da quinta-feira 8 de dezembro, calculados três mil torcedores já estavam no aeroporto da Pampulha, agitando bandeiras azuis e cantando músicas folclóricas e do iê-iê-iê, bem como gritando “Um, dois , três, o Santos é freguês”.

O avião chegou a BH com meia-hora de atraso. O capitão Piazza, primeiro a aparecer na escada, ergueu o troféu e foi saudado pelos torcedores que espalhavam serpentinas e confetes e deixavam os jogadores assustados pela recepção.

Dirceu Lopes, um dos maiores nomes da partida decisiva, classificou a reação cruzeirense no Pacaembu de “espetacular e emocionante”. Foi quem mais chorou no vestiário, emocionado, quando Tostão, o mais assediado, dedicava a vitória ao povo mineiro, “que tanto nos incentivou”. Para ele, o incentivo da galera que saíra de Minas para ir ao Pacaembu fora um dos fatores decisivos par a virada do placar.

Para a revista carioca “O Cruzeiro”, o seu xará vencera “o vigoroso Santos de Pelé, que nada pode fazer diante da supremacia imposta pelo time de Tostão…no segundo tempo…jogando um futebol acadêmico”. Para a semanária, a vitória fora “indiscutível”, escreveu, publicando, pela primeira vez, mais de cinco páginas para o futebol de um outro estado que não fosse o Rio de Janeiro, além de chamada, com foto na, folha 3, a que abre o noticiário.

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