Menu
Coluna do Aquiles

O pianista e o piano

Arquivo Geral

06/12/2017 17h31

No álbum de 2015 A Volta de Alice, do pianista, compositor e arranjador Tomás Improta, um admirável grupo de instrumentistas interpretava o repertório cheio de atonalidades e inversões harmônicas que tangenciavam a música concreta, sem todavia perder a contemporaneidade pop e a tradição rítmica da diversidade da música brasileira. Bem diferente é o seu décimo CD, o recém-lançado Olha pro Céu. Neste, Tomás, um experimentalista de alma e ouvidos abertos, fez com que os protagonistas fossem apenas ele e o piano.

Com sete faixas, o disco conta com a participação de apenas outros dois instrumentistas. Um deles é Tony Botelho, baixo acústico em “Silvestre: Nascente do Rio Carioca”, uma das duas composições de Tomás no álbum, homenagem do autor e do piano ao rio mais carioca do Rio de Janeiro. O outro é seu filho Gabriel Improta que, acompanhando o piano do pai, tocou violão em “I Concentrate on You”, de Cole Porter, num inspirado arranjo para uma das grandes obras do grande compositor norte-americano.

Nas outras cinco faixas estão apenas o pianista e o piano. A intimidade dos dois é absoluta. Os dedos deslizam sobre as teclas, como que acariciando as notas. Elas se deixam seduzir e devolvem os afagos, fazendo vibrar suas cordas retesadas, aconchegando-as sob acordes deleitosos de ardor e intensidade contínuos.

A convivência os torna parceiros; a cumplicidade, amantes. Assim, Olha pro Céu é um extraordinário acasalamento abstrato entre o pianista e o piano – enlace não de todo incomum na música.

A cortina da alcova, ou melhor, a tampa dos trabalhos, se abre e admite ver e ouvir piano e pianista em pleno ato da criação. Tudo a ver com a música que escolheram para iniciar a jornada: “Olha pro Céu” (Tom Jobim). Além de dar título ao trabalho de Tomás, a canção chama atenção pela delicadeza dos dedos sobre as teclas, que produzem o efeito mágico da beleza juntando-se ao encanto. Os dois germinam e dão à luz uma interpretação de raro esplendor: só essa canção jobiniana já bastaria para eleger o álbum de Improta como um dos mais belos instrumentais do ano.

Mas ainda tem mais: o que dizer de “Risque” (Ary Barroso), com sua levada absolutamente pop, com um groove mântrico de notas graves tocado pela mão esquerda enquanto a direita sola, improvisa e o escambau a quatro? O que dizer sobre “Poema Singelo”, emocionado e tocante registro do clássico de Heitor Villa-Lobos? Deus do céu!

O piano em “Pra Dizer Adeus” (Edu Lobo e Torquato Neto), de tão vigoroso, quase permite que as palavras doloridas do poeta ganhem vida. O pianista abraça seu instrumento e, juntos, caminham… Deus do céu!

A cortina da alcova, ou melhor, a tampa dos trabalhos, fecha com “Karen B”, outro tema autoral de Tomás Improta. Lá está o piano novamente enlaçado ao pianista. Solidários um com o outro, põem-se a devanear, a brincar enquanto fantasiam serem felizes. E, juntos, comemoram a mais do que justa sensação do dever cumprido. Salve a música!

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado