Mônica Vasconcelos, brasileira residente em Londres há mais de duas décadas, mantém acesa sua verve de cantora, ofício que exerceu ainda em terras brasileiras. Hoje, intérprete plena de emoção e memória, ela lança The São Paulo Tapes – Brazilian Resistance Songs (independente), CD no qual interpreta canções que foram autênticos hinos contra o arbítrio da ditadura – há que sempre relembrar para nunca esquecer o quão violentos e inconstitucionais foram os dias em que o sol e o céu cobriram-se de cinza(s).
Por isso, The São Paulo Songs tem, para além das músicas selecionadas, cantadas e tocadas com rigor profissional, um valor a mais.
Com voz correta – afinada, com pouco vibrato e reverber usado com parcimônia, Mônica dá sua visão sobre a música de resistência, cujo alento contribuiu para a volta à democracia.
Ela não só pesquisou e selecionou o repertório, como convidou o tradutor e professor de literatura brasileira David Treece para fazer versões das letras para o inglês e para assinar os textos explicativos que oferecem significado e contexto histórico ao publico de língua inglesa. Ajuntados num álbum, o projeto de Mônica Vasconcelos tem o vigor de um manifesto histórico.
O lendário roqueiro inglês Robert Wyatt, produtor do CD, contou com o paulistano Ife Tolentino (violão), o londrino Liam Noble (piano), o uruguaio Andrés Lafone (baixo elétrico), o israelense Yaron Stavi (baixo acústico), o gaúcho Marius Rodrigues (bateria) e arranjos de Ife Tolentino e Dean Brodrick. O time e Mônica abrem o CD com “Agnus Sei” (João Bosco e Aldir Blanc). Junto com o baixo acústico com arco e a bateria com vassourinhas, a intro conta com os vocalizes dela. O andamento acelera. O piano tem destaque. Volta a levada mais lenta, logo retomando a mais ligeira. Num falso final, um ralentando. Volta o canto. Um solo de piano tem a companhia da voz dobrada de Mônica. Novo ralentando conduz ao final. Não sem antes ela bradar: “Responderei, não!”
“Angélica” (Miltinho e Chico Buarque) tem belo arranjo. O piano inicia. A voz de MV é terna. O piano com acordes, o baixo com nota em pedal e o violão dedilhado levam a mudanças de tom. No final, resta o piano repetindo notas soltas. Meus Deus!
“Aos Nossos Filhos” (Ivan Lins e Vitor Martins) começa com o violão e a batera no prato. Uma das melhores interpretações de Mônica, posto que sua voz encontrou na melodia de Ivan o jeito de demonstrar a agonia e a beleza dos versos.
(“Interlude II”, tema do pianista Lian Noble, é um instrumental porreta. Só que… arre, égua!, que diacho faz um instrumental em meio a um conjunto de palavras significativas?).
Gravado por uma londrina de coração, “London, London” fecha o CD. Sem mágoas nem luto, a canção de exílio de Caetano Veloso revela a dor e a força de quem partiu “num rabo de foguete”; mas voltou cantando: “Mas sei que uma dor assim pungente/ Não há de ser inutilmente…”
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4
PS. Perdemos uma de nossas grandes cantoras. Descanse em paz, Célia.