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Coluna D

Antes, pelourinhos. Hoje, redes sociais

Arquivo Geral

17/05/2017 15h37

Atualizada 15/07/2017 21h54

Diana Leiko

Há quase 10 anos tentei assistir a um monólogo de Schopenhauer chamado “A metafísica da morte”. Denso, como não poderia deixar de ser. Para quem estava no palco interpretando e para quem estava na plateia. Pouco a pouco, as pessoas foram se levantando e indo embora. Eu aguentei até onde pude e acabei me levantando também. Com pesar, porque aquele profissional que estava ali no palco merecia o meu respeito. Esse momento ficou registrado na minha memória porque não fui até o final.

Ao começar a ver a nova série da Netflix, a polêmica “13 Reasons Why”, tive a mesma vontade de anos atrás. Mas consegui terminar, com muito custo, no último fim de semana. Para a minha felicidade, o melhor de todos os longos e arrastados 13 capítulos estava por vir: a parte final dos comentários dos atores, diretor e psicóloga. Foi aí que, na madrugada de sábado para domingo, nasceu o primeiro texto de muitos que espero escrever para esta coluna.

Hannah Baker, a protagonista da história, descreve em 13 fitas cassete as razões que a levaram a cometer suicídio. E o cyberbullying não atua como mero figurante. A personagem teve sua foto maldosamente divulgada em grupos de mensagem instantânea da escola na qual estudava. Uma imagem que não condizia com a verdade que retratava, que manchou sua reputação e foi apenas o início de uma série de abusos que ela viria a sofrer.

 

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Nos anos 1800, em Massachussetts, um homem que tivesse sido declarado culpado por mentir ou publicar notícias falsas teria recebido uma multa, sido colocado no tronco durante um período não maior do que quatro horas ou publicamente açoitado com não mais do que quarenta chibatadas. Se o juiz tivesse escolhido o açoitamento, os jornais locais teriam publicado uma crônica detalhando a quantidade de contorções ocorridas. Essa prática não se extinguiu porque era ineficaz, mas porque era cruel demais. Isso eu li no livro “Humilhado. Como a era da internet mudou o julgamento público”, de Jon Ronson.

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Hoje, entretanto, os troncos e pelourinhos deram lugar à internet, que nos confere poder para determinar a severidade de algumas punições. Há quem pague com a própria vida, como é o caso da personagem principal do seriado. Assim como Hannah Baker, quantas pessoas também já foram humilhadas publicamente? Tomamos as próprias decisões sobre quem merece ser destruído. Formamos o próprio consenso, e não somos influenciados pelo sistema de justiça criminal ou pela mídia. Isso nos torna assustadores.

Ainda de acordo com o livro de Jon Ronson, parte do motivo pelo qual jovens se tornaram especialistas na internet é porque não têm poder em nenhum outro lugar. “O sistema judiciário no Ocidente tem muitos problemas, mas ao menos há regras. Você tem direitos básicos como réu. Tem seu dia no tribunal. Porém, quando é acusado na internet, não tem direito algum. E as consequências são piores. É uma febre mundial”.

A reflexão que gostaria de promover aqui é: “por que somos tão cruéis, sobretudo, na internet? Por que muitos desferem ataques os quais dificilmente teriam coragem de desferir presencialmente, olho no olho? De onde vem essa necessidade de desumanizar aqueles que ferimos – antes, durante ou depois de ferir?

Com as mídias sociais, montamos um palco para grandes dramas artificiais e constantes. Todo dia uma pessoa nova surge como um herói magnífico ou um vilão nauseante. É tudo muito radical, e não da forma como somos, de verdade, enquanto pessoas. Toda essa loucura coletiva não pode nem deve ser tratada como normal.

Não podemos definir os limites da normalidade ao destruirmos aqueles que estão fora dela. E se você acha que as mídias sociais dão voz a pessoas que não têm – o igualitarismo é sua maior qualidade – um relatório escrito por um psicólogo da Stasi (polícia secreta da Alemanha Oriental) e descoberto pela Anna Funder (escritora australiana), que tenta explicar o porquê de estarem atraindo tantos voluntários, chega à seguinte conclusão: “Era o impulso de se certificar de que o vizinho estava fazendo a coisa certa”. Estamos nas redes para vigiar a vida alheia e deixar que nos vigiem. Quer um exemplo recente? Leia abaixo.

coluna-d-1Se é verdade ou não, isso não me dá o direito de me tornar um soldado em uma guerra contra as falhas dos outros e disparar vários ataques contra o alvo inimigo, independentemente de a própria vítima da detração ter dado a munição. Pessoas são complicadas e têm defeitos, talentos e pecados. Então, por que fingimos que somos perfeitos? Não estou aqui defendendo o assessor do Lindbergh Farias. Mas se ele fez algo errado e ilegal, não serei eu a julgá-lo e condená-lo. Até porque nem sei se a acusação, de fato, procede e as consequências de ter sua vida destruída na internet são graves. Como foi o caso da jovem italiana que se matou, em setembro do ano passado, após assédio nas redes por causa de vídeo sexual espalhado por ex-namorado. Que mal ela cometeu mesmo?

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O drama dela não foi único: uma jovem norte-americana de 18 anos se suicidou em 2008 depois que seu namorado divulgou fotos que ela lhe enviara. Em 2009, o mesmo aconteceu com outra norte-americana de 13 anos. Uma canadense de 15 anos se matou em 2012 depois de gravar um vídeo no qual contava o assédio que sofrera devido a uma foto, e apesar de ter mudado várias vezes de colégio. Ou seja, a história de Hannah Baker, em “13 Reasons Why”, não é mera ficção.

Por fim, cito Leandro Karnal. “A vida alheia só tem interesse total se a minha for insípida. E, como a maioria absoluta das vidas é insípida mesmo, a estrada asfaltada da detração se oferece para um tráfego volumoso”.

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